terça-feira, 3 de junho de 2008

Você se basta?

Interessante como tem gente que tem medo dessa pergunta e já vem com a historinha de que ninguém é uma ilha. Que bom! Também não sou uma Baía, não sou uma Pensísula e nem aquela coisa que é cercada de água só por três lados. E também não sou uma árvore, nem uma flor, nem uma pedra. Mas eu me basto, graças a Deus. Não preciso estar com alguém do meu lado para me sentir bem, não preciso estar falando com alguém para não me sentir sozinha, não preciso ter um namorado para não me sentir encalhada. E sim, eu me basto. Saber ficar somente consigo mesmo é um dom e dizer em voz alta que se precisa ter o seu próprio espaço, que por vezes não quer ter ninguém por perto é um ato de coragem.

Não, eu não preciso de milhões de amigos para me sentir querida. Não, eu não preciso de ter alguém falando, "eu te amo, você é linda", para me sentir amada e linda. Primeiramente porque palavras podem ser falsas, muito falsas. Segundo, que se eu não me sentir realmente querida, amada e linda, multidões podem me dizer isso e não me significará nada.

Mas não, isso não me veio a mente do nada. É que eu estava lá no site da Revista Vida Simples e li uma resposta a uma pergunta bem interessante.

E repasso para você:


Tema: Ficar (bem) sozinho

Pergunta da leitora Daniela Bittar: “Uma pessoa pode se sentir bem apenas com sua própria companhia? Como transpor essa característica na relação com outras pessoas?”
por Eugenio Mussak

Certa vez almocei, em Recife, com um juiz famoso por ser muito ponderado e justo. “Ele é quase um sábio”, diziam as pessoas. Durante a conversa do agradável almoço, ele me contou que estava se preparando para, pela segunda vez, percorrer o famoso caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Quando indaguei sobre o que o motivava a refazer tal aventura, ele me disse, calmamente: “É que ainda deixei alguns assuntos pendentes comigo mesmo”.


A resposta do juiz teve sobre mim um efeito revelador, impactante, violento, quase um soco no estômago, pois naquele momento pensei sobre quantos assuntos eu, provavelmente, tinha pendentes em minha vida. Então, na viagem de volta usei as horas de vôo para fazer uma lista de tais pendências, com o cuidado de relacionar as pessoas a quem as mesmas se referiam. Isso foi fundamental, pois tomei um imenso susto: o sujeito principal de minhas pendências, que não eram poucas, era eu mesmo. Era a mim que eu devia a maioria das explicações, respostas e justificativas. Era eu mesmo que estava do outro lado da linha do telefone imaginário, enquanto eu - o outro eu - dizia, como um atendente de telemarketing emocional: “Vou estar transferindo sua pergunta para o Universo. Por favor, aguarde e não perca a esperança. Sua ligação é muito importante para nós”.


Olhei pela janela do avião e comecei a refletir que, se a conversa com meu amigo magistrado não me convenceu a passar um mês caminhando pelo interior da Espanha, com certeza criou em mim um forte desejo de viajar por meu próprio interior, percorrendo o caminho dos meus valores, subindo as colinas dos meus medos, visitando os vales dos meus sonhos. Percebi que era essa a viagem que eu estava precisando fazer, para a qual não existem roteiros pré-formatados nem guias turísticos disponíveis. Naquele momento eu estava viajando a cerca de 900 quilômetros por hora, e não pude evitar a lembrança de uma frase de R.W. Emerson: “O que está atrás de nós e o que está à nossa frente são coisa pouca, comparados com o que está dentro de nós”.



Viagem rumo ao interior


Quando examinei ainda mais de perto a proposta dessa viagem interior, entendi que ela era importante por dois motivos: primeiro porque, enquanto eu não encontrasse a paz interior, carregaria os conflitos para onde quer que eu fosse, o tempo todo. Segundo porque a qualidade das relações com as outras pessoas depende, a priori, da qualidade da relação que eu estabeleço comigo mesmo. Bingo! Estou precisando ficar um pouco sozinho, travando duros, mas necessários, diálogos interiores. Pousei em São Paulo carregando na bagagem o firme propósito de me dedicar mais a mim mesmo.


Pois é, mas como? Essa é a pergunta que vale 1 milhão. Como criar uma relação interna se as relações externas demandam muito de nosso tempo? Como conversar comigo mesmo sem ser atrapalhado pelos ruídos exteriores, cada vez mais fortes? Como dizer ao resto do mundo: “Agora não posso, estou ocupado comigo mesmo!”?


Deduzi que precisava ter disciplina para estar mais tempo em minha companhia. E, para isso, foi necessário criar oportunidades para estar só, sem precisar viajar para o Tibete nem percorrer o caminho de Santiago. É uma questão de pragmatismo. Estar só, não por imposição, mas por opção, é a única chance em que o estar só não se transforma em um sofrimento, nem faz surgir aquele sentimento maldito de abandono e de desespero. Lembrei-me, então, da época em que fiz terapia, e a psicóloga me dizia: “Você está aqui comigo para se encontrar com você mesmo. Eu sou apenas o caminho, o meio, mas não terei nenhum valor se você não chegar ao fim da jornada, ao seu interior, sozinho”. E não é que ela tinha razão, a danada? Eu ia ao seu consultório para ficar sozinho, para me encontrar comigo mesmo, e não para visitá-la.


Pois é, às vezes nós precisamos do outro até para ficarmos sozinhos. Essa aparente incongruência é uma herança de nossa história humana, em que a sobrevivência de cada um dependia do grupo. Ainda depende, mas o coletivo às vezes faz o contrário, e acaba matando o individual. É quando você perde o valor de sua própria essência e passa a ser apenas parte de um todo. Nesse caso, seus valores são os valores do grupo, seus sonhos são sonhados em conjunto, seus medos são compartilhados porque são comuns. E você é levado pela onda e deixa de ser você mesmo, uma vez que não se dá o direito de ficar só, e, aliás, nem acha que isso tem alguma importância. Cuidado! Você pode estar com a síndrome do coletivismo, que faz a pessoa sentir-se segura apenas quando está acompanhada. Equivale a ter medo de si mesma.


Por isso, até em respeito ao outro, precisamos criar os momentos para estarmos apenas conosco, sem depender de outras pessoas; ou apesar delas. Há meios clássicos, como retiros, mosteiros e templos das várias religiões, mas eles são apenas isso, meios. De nada adiantarão se você não criar a consciência do estar só, que é diferente de ser solitário. Aliás, entender essa diferença é o primeiro passo.

Um comentário:

Candy disse...

Lógico que a pessoa se sentir bem consigo mesmo é o básico para ser feliz.
Mas sabe o que fiquei pensando ao ler esse post de hoje? (alias gostei mtoo, me fez refletir).
Uma das 'coisas' que tento rever e mudar com a ajuda da psicoterapia é isso de me bastar.
Acredita?
Acho que já estava virando um tipo de menina onipotente e isso não é legal. Ser absoluto e totalmente auto-suficiente e se bastar não é legal.
Digo isso por experiencia propria.

;***


Delírio Niilista: falso sentimento de que o mundo, as outras pessoas ou a própria pessoa não existem